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Rinha de Cães


Publicado em: 06/01/2020 00:00 | Categoria: Geral

 


Impunidade e Dinheiro - Rinha de Pitbull em Mairiporã-SP alerta para rota internacional no Brasil e novo perfil de criminosos



Por Robis Nassaro

Há quase 30 anos estudo e escrevo sobre leis de proteção dos animais. Nesse período acompanhei muitas ocorrências envolvendo crueldade animal, porém, rinha com cachorros no estado de São Paulo eu nunca tinha ouvido falar.


Além de ser novidade, pelo menos para mim, essa ocorrência tem particularidades preocupantes em diversos aspectos, especialmente em relação ao perfil das pessoas flagradas e o contexto, aparentemente internacional dos fatos; uma dimensão inusitada para uma rinha paulista/brasileira.

45 pessoas (43 adultos, 1 criança de 12 anos e 1 adolescente de 14 anos) foram flagradas em plena rinha de pitbulls durante operação, planejada e executada pela Polícia Civil paranaense e paulista, no dia 14 de dezembro, em Mairiporã - SP. 2 pitbulls estavam brigando entre si em uma arena montada para esse fim, enquanto os criminosos torciam e apostavam do lado de fora do ringue, esperando o vencedor. A notícia é a de que seriam realizadas, ainda, mais 26 disputas, além daquela; 18 pitbulls aguardavam suas vezes.

Os policiais descreveram um "cenário de sangue", com animais mutilados e extremamente debilitados. Os criminosos contavam com apoio especializado, a fim de que os pitbulls fossem mantidos em alerta, com remédios ministrados diretamente na veia. Um médico-veterinário e um médico foram flagrados no local e acredita-se que davam suporte ao evento.

A descrição dos animais machucados e dos participantes insensíveis que apenas se preocupavam em apostar e torcer, não é muito diferente daquelas que ocorrem em rinhas com galos, comuns em todo o Brasil, à exceção do tratamento dado por médico e médico veterinário, integrantes o grupo de criminosos.

Porém, de fato, o que chama a atenção é a articulação (organização criminosa) que garantiu a presença de pessoas de diversos estados e inclusive de outros países e as características (perfil) dos envolvidos.

Belém (PA), Franca (SP), Mairiporã (SP), Guarulhos (SP), São Paulo (SP), São Bernardo do Campo (SP), Barueri (SP), Taboão da Serra (SP), Jaú (SP), Araraquara (SP), Cuiabá (MT), Canoas (RS), Pelotas (RS), Bagé (RS), João Pessoa (PB), Goiânia (GO), Cordeiro (RJ), Manaus (AM), São Pedro de Alcântara (SC), Curitiba (PR), Peru, México e Estados Unidos são as origens das pessoas flagradas no evento.


Como essas pessoas se reuniram no mesmo dia e local (uma chácara em Mairiporã, de difícil acesso), vindas de tão distante, se não for por meio de um plano bem elaborado e executado exatamente para a rinha?


Nesse local, foram apreendidos pelo menos 38 mil reais em dinheiro vivo, incluídos valores em dólares americanos, pesos mexicanos e solares peruanos, além de diversos envelopes para depósito de dinheiro. Há notícias de que as rinhas eram transmitidas ao vivo para diversos países, então, é provável que houvesse também apostas on-line.

Os animais que brigavam entre si não eram de Mairiporã, em princípio. Uma das pessoas flagradas, um peruano, mantinha 33 pitbulls em Itu-SP, em uma chácara, com 2 empregadas e toda estrutura para treinar os animais para a briga; supõe-se que ele era um dos responsáveis por fornecer animais e articular as rinhas.

Em Itu os policiais encontraram os animais debilitados, isolados entre si e mantidos em pequenas casinhas no tempo, tudo para ampliar seus níveis de agressividade

A origem da investigação que levou à rinha em Mairiporã ainda não está divulgada, entretanto, sabe-se que de Curitiba e de uma região próxima, também envolvendo criação de pitbulls, chegou-se na rinha de Mairiporã e na chácara em Itu.

O que se vislumbra, até o momento, é que as pessoas foram ao local especificamente para participar da rinha; elas integram uma rede que produz e treina pitbulls para brigarem por apostas, sendo atraídas pela ganância de dinheiro propiciado pelo sangue jorrado da crueldade animal.

Ao colocar sob lentes o perfil dos envolvidos percebi que a formação deles, em geral, não era tão elementar como em outros casos que pude pesquisar.

Das 1.262 pessoas que tiveram suas fichas criminais analisadas em diversas pesquisas que realizei, de 2010 a 2015, por terem participado de crimes envolvendo crueldade animal, incluídas rinhas de galo (também de canários), 96% delas possuíam apenas o ensino fundamental, 2% delas o ensino médio e 2 % o ensino superior.

Uma das indicações, diante dessas constatações, é a de que, pelo menos sob o prisma da estatística, há relação entre a pouca formação escolar e a crueldade animal, ou seja, a educação tende a inibir o cometimento de crimes de maus-tratos a animais, considerando que a maioria dos criminosos possuía apenas formação fundamental.

Mas o perfil dessas pessoas envolvidas na rinha de pitbulls é completamente diferente. Apenas 11 delas têm o ensino fundamental, 20 delas possuem ensino médio e 10 ensino superior. (Não se conseguiu identificar a formação escolar de 2 dos envolvidos).

Ou seja, praticamente 49% dos envolvidos possuem nível médio e 24% possuem formação superior, indicando que esse é um grupo seleto, esclarecido, que foi atraído para cometer os crimes.

Nesse grupo, formado apenas por homens, há professor, contador, representante comercial, corretor de imóveis, confeiteiro, padeiro, cozinheiro, médico, médico veterinário, técnico em agronomia, técnico em segurança do trabalho, administrador de empresas, empresário, motoboy, dentre outros.

Deles, apenas 4 possuem outros registros criminais. Esse dado também é bem diferente das outras pesquisas realizadas, em que encontrei porcentagem que variava de 30% a 40% de pessoas envolvidas em crueldade animal que possuía outros registros criminais, além do crime de maus-tratos a animais.

Em relação a idade média das pessoas flagradas, é de 35 anos, idade 11 anos mais baixa em relação as das pessoas pesquisadas nos outros estudos, que era de 46 anos.

Ou seja, essa ocorrência pode indicar um novo perfil de criminosos envolvidos com crueldade animal. E por que seria especificamente para a rinha de pitbulls?


Eu ouso apresentar 2 hipóteses.

A primeira delas, em relação ao perfil dos pesquisados.

Viu-se que são pessoas mais jovens, com profissão e esclarecidas, sob o ponto de vista do ensino formal.

Não apresentam, em geral, ficha criminal e, portanto, não devem ter tido origem em uma família marcada por violência (nos demais crimes de maus-tratos a animais a violência na família é fator comum e costuma ser uma possível alavanca para a ampliação da insensibilidade e da própria violência dos infratores mais tarde caracterizada em diversos crimes, conforme indicado na Teoria do Link).

Assim, o dinheiro pode estar movimentando esse perfil de pessoas para a rinha de pitbulls; dinheiro farto e ganho com apostas, que tradicionalmente já angariam pessoas com tendência ao vício dos jogos de azar.

A desejável formação cidadã, ensinada nas escolas, se esvai nesse perfil, voltado para os jogos e o dinheiro, mesmo que signifique enorme sofrimento dos animais.

A segunda hipótese é o ciência dos infratores da impunidade para os crimes de maus-tratos a animais no Brasil.

Os envolvidos são pessoas esclarecidas e, certamente, têm conhecimento de que os maus-tratos a animais, como a rinha, por exemplo, constitui crime no Brasil, previsto no art. 32 da Lei de Crimes Ambientais, Lei federal nº 9.605, de 1998.

E da mesma forma, sabem que a legislação penal não impõe aos criminosos que cometem crueldade animal qualquer restrição de liberdade, como regra.

Quando muito e em situações excepcionais, mediante proposta do Ministério Público, homologada pelo Juiz de Direito, determina-se alguma espécie de restrição de direitos e horas de serviços comunitários; é mais comum, entretanto, que se imponha apenas o pagamento de cestas básicas a pessoas carentes para crimes de maus-tratos a animais.

É a segunda hipótese, portanto, que justifica o fato de apostadores brasileiros e estrangeiros, instigados pela possibilidade de altos ganhos financeiros, em uma estrutura em rede (de produção e treinamento de animais e cooptação de apostadores), estejam se envolvendo em rinhas de pitbulls no Brasil, garantidos pela legislação penal brasileira que não impõe pena condizente com a crueldade encontrada no cenário descrito pelos policiais; aqui parece que o jargão "o crime compensa" é muito oportuno!

Veja-se que apenas uma das 43 pessoas flagradas no sítio em Mairiporã permaneceu presa, sendo os demais criminosos postos imediatamente em liberdade, mesmo diante da gravidade dos fatos amplamente divulgados na mídia nacional.

A razão disso é que os crimes de maus-tratos a animais têm pena de 3 meses a 1 ano de detenção e, portanto, é um crime de menor potencial ofensivo (Lei federal 9.605, de 1998 e Lei federal 9.099, de 1995). A Polícia apenas cumpriu a lei.

Mais tarde, 3 dias após os fatos, foi decretada a prisão preventiva de 22 dos envolvidos, mas não pelo crime de maus-tratos e sim pelo fato de que os criminosos não se apresentaram à Justiça no dia determinado; a depender das penas previstas para os maus-tratos a animais as rinhas continuarão a existir no Brasil.

Creio que as hipóteses se entrelacem ao final. Pessoas com formação que se submetem aos elevados ganhos das apostas nas rinhas e a alta probabilidade de não sofrerem nenhuma sanção mais significativa, sob o ponto de vista penal (império da impunidade).

Em conjunto, elas propiciam um ambiente favorável para a indústria criminosa, com criação, treinamento e transporte dos pitbulls, locação de espaço e montagem dos ringues, contratação de médicos e médicos veterinários, deslocamento e estadia para estrangeiros e transmissão das pelejas para todo o mundo, on-line e por quê não, também deve haver uma forma de "lavar" o dinheiro ganho nas apostas. Não vi nenhum caso de rinhas de galos em que toda essa estrutura nacional e internacional tivesse disso executada.


Mesmo que as hipóteses apresentadas necessitem de confirmação, trata-se de um caso gravíssimo que demanda ampla e irrestrita apuração; tais crimes, não sendo punidos, tendem a se arraigar no território nacional e com eles além da crueldade animal, todas as demais espécies de crimes e a consequente percepção de insegurança da população.


A sociedade tem dado mostras de que o crime de maus-tratos a animais é cada vez menos tolerado, bastando observar a repercussão dessa e de outras ocorrências nas mídias sociais.


Porém, é essencial que nossos representantes no Poder Legislativo acompanhem as expectativas da esmagadora maioria dos brasileiros e reduzam, ao máximo, a impunidade dos crimes de maus-tratos no Brasil.


O Congresso Nacional precisa dar andamento a discussão da ampliação das penas aos crimes de maus-tratos a animais; no momento, há uma proposta aprovada pela Câmara dos Deputados, com ampliação para 1 a 4 anos de reclusão, com início do cumprimento da pena em regime fechado, exclusivamente para maus-tratos a cachorros e gatos (proposta do Deputado Federal Fred Costa).

Há também outra proposta tramitando no Senado Federal com ampliação da pena para 1 a 4 anos de detenção (proposta do Senador Randolfe Rodrigues).

Óbvio que a proposta de reclusão é a mais indicada para inibir a percepção de impunidade dos apostadores nacionais e internacionais, entretanto, qualquer das duas propostas, significará um bom avanço para evitar crimes como o flagrado em Mairiporã.

Apenas a punição rigorosa e o cumprimento pleno da pena imposta, inclusive o pagamento de multas mais elevadas, poderão tirar o Brasil do radar de país livre para o cometimento de rinhas de pitbulls. Como brasileiro e voltado ao respeito profundo pela vida é o que eu desejo para 2020.


Robis Nassaro é Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, Pós-Graduado em Direito Público e Especialista em Direito Penal Ambiental. Autor da obra Maus-Tratos a Animais e Violência Contra Pessoas: A Aplicação da Teoria do Link nas Ocorrências da Polícia Militar Paulista (2013). É Tenente Coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo.


Bibliografia

NASSARO, Marcelo Robis Francisco. Maus-Tratos aos Animais e Violência Contra Pessoas: A Aplicação da Teoria do Link nas Ocorrências da Polícia Militar Paulista. São Paulo: Edição do Autor, 2013.

NASSARO, Marcelo Robis Francisco. Maus-Tratos a Animais e Violência Contra Pessoas. In: PAULINO, Mauro; ALCHIERI, João. Desvio, Crime e Vitimologia. Lisboa: Pactor, 2018. p. 39-56.

NASSARO, Marcelo Robis Francisco. Maus-Tratos aos Animais e Violência contra as Pessoas -  A Aplicação da Teoria do Link nas Ocorrência. Aspectos Controversos dos Crimes Contra Fauna, Belo          Horizonte,          p.40-47, mar.                                                                                 2016.          Anual.         

NASSARO, Marcelo Robis Francisco; ARKOW, Phil. Maus-tratos aos Animais como Outras Formas de Violência Familiar. In: CASTILHO, Valdecir Vargas; REIS, Sérvio Tulio Jascinto; TOSTES, Raimundo Alberto. Tratado de Medicina Veterinária Legal. Curitiba: Medvep, 2017. Cap. 18. p. 364-382.


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